top of page
  • Instagram

Quarto

O segundo quarto apresenta a temática de estação ferroviária, contando com papéis de parede e a pintura que remontam a infraestrutura desta. Dispõe de duas camas, uma sobre a outra, conforme a imagem demonstra.

Conto #6
00:00 / 05:10

A bravata do viajante

      - Partida em cinco minutos! - gritava o comissário da estação, com o apito soando ao fundo.

      Tornava a verificar a mochila, os livros, os documentos, os cigarros dentro de uma caixinha de metal tão antiga que rangia. Levava uma quantidade inumerável das drogas lícitas sempre que tinha que viajar. Seus familiares o censuravam por consumir tão rapidamente com despudor indescritível, para eles, era um rapaz que buscava acelerar constantemente o próprio relógio. Na perspectiva de si mesmo, estava na verdade garantindo o seu funcionamento, o do relógio.

      As roupas fúnebres remetiam a alguém com perdas incansáveis, provenientes de outros e de si mesmo. No entanto, para o que se conta aqui, seria melhor dizer o que se deixa, ao invés do que se perde, afinal, quem escolhe um caminho precisa estar ciente de que a cada partida, algo fica para trás. E ele, já perdera as contas de tudo, desde as coisas mais insignificantes, até as que jamais seriam substituídas. E por esta mente tão incauta, com demônios vorazes, enjaulados em uma cela de pragmatismo e autocuidado, ele tragava aquela fumaça tóxica mais vezes do que podia odiar-se por fazer isto.

      - Estamos de partida, jovem senhor. - alertou o comissário com um sorriso gentil e bem-humorado.

      Quando embarcou no vapor, a cabine destinada a si viu do homem o que veria por toda viagem, um olhar frio e ruminante. Ele deteve-se a ação de jogar as malas sobre as poltronas, fechar a cabine e ir ao final da locomotiva, onde uma grande de proteção de pouco mais de um metro e meio impedia um saltar humano de cair sobre os trilhos que guiavam a ferrovia. 

      O trem começou a se mover, o barulho mecânico preencheu a paisagem e a fumaça herética da caldeira ousava dar a luz a nuvens que teriam, por um momento efêmero, um parentesco com aquelas que nascem da atmosfera. Ao contrário do que a maioria podia imaginar, Ulisses não tinha problema algum com viagens ferroviárias, pelo contrário, aprendera a usufruir do processo que elas causavam dentro de si, fazendo com que cada uma permitisse viver uma nova vida até que chegasse ao seu destino. 

      As partes que mais romantizava em sua mente eram tão específicas e simbólicas, que poucas pessoas podiam interpretar seu significado. Imaginava que uma montanha assomava-se à frente do grande meio de transporte, e um arco sólido de concreto a protegia de ser soterrada por toneladas de terra. Especificamente, o primeiro momento deste divagar criador de paisagens, era efêmero como o segundo, durando não mais que alguns segundos, quando ele observava da parte traseira do trem, o teto e as paredes de tijolos surgirem em sua visão, e a luz do mundo esforçando-se para invadir aquele buraco criado por vermes conscientes. 

      Ele detinha o olhar nos tijolos, assentados simetricamente, divididos e reunidos por finas camadas de argamassa cinzenta, o vislumbre do carmesim moldado de forma retangular, e as linhas cinzentas o transportavam para uma jornada escura e fria, mas necessária para chegar onde precisava. E, atrás de si, a luz e as árvores que ainda podia distinguir, pareciam o abandonar, e lançar despedidas piedosas, entregues com um vento ululante que era o único inquilino daquele trajeto escuro e solitário.

      Então, quando ele com o relógio na mão calculava o tempo que estava se aproximando, guardava-o apressadamente e punha-se a marchar calma, mas animadamente por todos os vagões, até chegar ao vagão condutor de todo o transporte, e, uma vez lá, com o mesmo júbilo de alguém que presencia um milagre, distinguia o pequeno ponto de luz branca ao fim, ferindo os olhos já acostumados com a escuridão, para tentar futilmente cegá-lo com o mundo de luz branca e ventos livres. E naquela centelha de tempo, o mundo atropelava-o violentamente com a sua vida e com o seu potencial, e a estrutura rubra e cinzenta, torturante, mas protetora, agora despedia-se, apresentando-o um novo mundo, e enfatizando o papel orientador de algo que existe para lembrar que não se desfruta o doce antes do amargo. 

Email

Redes Sociais

  • Instagram
bottom of page