Sala
A sala de estar é decorada na cor gray beige e stony fields, é mobiliada com sofás acolchoados e dispõe de um fogão à lenha. É perfeita para momentos de lazer e descanso, contando com uma televisão para assistir os programas que desejar.
Ninguém viaja sozinho
Sob um céu azul límpido, numa vastidão estéril dos desertos americanos, o som estridente de um apito rasgava o silêncio natural da paisagem. Nuvens de fumaça eram expelidas sobre uma chaminé férrea apenas para serem confundidas com as nuvens que os animais daquele bioma estavam acostumados a ver. Sobre um banco estofado, sentava-se um maquinista que apresentava o auge da idade humana, e com um cachimbo na boca, imitando o movimento da máquina que conduzia, ele botara o braço para fora da janela a fim de fugir do calor árduo que se acumulava no veículo. Ele usava um chapéu branco de condutor que naquele momento estava molhado pelo suor, e tirava de um pequeno furo de sua aba o limpador de cachimbo para espremer mais o fumo na cavidade de acender.
-O que há, Hugo, já está na hora de trocar de posição, venha cá ajudar o Bento e deixe que eu assuma a condução. Inferno, este calor está insuportável.
O homem tirara o chapéu impacientemente e o jogara sobre a cadeira cujo estofamento um dia vermelho era mantido limpo religiosamente por Benedito, que enxergava o assento como o único conforto proporcionado pela sua profissão. Quando se aproximou da fornalha, recuou a mão, pois Benedito tentara alcançá-lo. Hugo olhou com a boca torcida e um pingo de arrogância nos olhos semicerrados.
-O cachimbo fica com o condutor! - protestou Bento erguendo a alça do macacão que frequentemente tombava para fora do corpo, devido ao porte fino do garoto.
-Isso se o condutor contribui para comprar o tabaco ou não entope o cachimbo! - respondeu o homem com um ar de soberba enquanto coçava a barba que não era feita há uma semana.
Bento apenas fez um movimento com a mão indicando para que Hugo voltasse a condução, e tornou a jogar carvões com a pá na fornalha que gerava o movimento no grande maquinário.
Horas depois, quando o trem já desembarcara os passageiros, e a noite atingia seu auge com a lua brilhando sobre o negro da locomotiva que ainda estava quente, Hugo tornava a remexer o cachimbo sentado nas escadas do vagão, e Bento dormia na poltrona de condução com os pés apoiados no painel de controle. Até que de súbito Benedito abrira a porta com uma euforia que corava as faces do garoto que recém alcançara a maioridade. Bento completamente assustado pela intervenção súbita se desequilibrara e para evitar a queda agarrara-se na primeira coisa que sua mão alcançou, que por curiosidade era a corrente que estava ligada ao apito do trem. Hugo que estava absorto na sua atividade minuciosa, fora arrancado com tal brutalidade que o susto o fez saltar e bater de cabeça numa haste de segurança do trem, deixando o cachimbo cair e espalhando o tabaco recém assentado ali, que logo fora levado por uma forte lufada do deserto.
Benedito teria rido por horas da cena, caso Hugo não o tivesse acertado com um croque na cabeça do jovem que praguejou em italiano. Benedito ainda um pouco atordoado perguntou qual razão tinha levado aquele furdúncio.
-Vejam. - mostrou o garoto enquanto ainda acariciava a cabeça, tentando amenizar a dor.
Os dois homens mais velhos atiraram-se nas mãos do garoto como se fosse um cheque de milhares de dólares, no entanto, era apenas um amontoado de páginas, encadernado modestamente, mas extremamente volumoso e pesado. Era um livro.
Em que língua será que está? - perguntou Bento já completamente livre do sono.
Benedito abriu o volume, mas seu semblante ficou confuso, tentando alcançar a compreensão do que estava ali impresso.
É italiano? - questionou Bento olhando para o mais novo, e tendo como resposta apenas o balançar de cabeça do garoto.
É francês, meus companheiros! É Dumas, O Conde de Monte Cristo, lembro-me do tutor me falar dessa obra quando era jovem. - declarou Hugo com os olhos brilhando e um sorriso patriótico.
Tens de ler para nós, Hugo. Por favor! - implorou Benedito.
O guri tem razão, quando encontramos o volume de Divina Comédia ele que leu, agora é tua vez. - respondeu Bento com severidade.
O homem foi até a cabine de condução, e abrindo um compartimento com chave, revelou não mais que uma dezena de volumes de livros, divididos nos idiomas francês, italiano e português. Dali tirou um par de óculos empoeirado e puxou um pequeno banco para a beira da fornalha, pois o frio noturno do deserto já começava a ameaçar as roupas rasgadas de maquinistas.
Os dois ouvintes sentaram-se de pernas cruzadas no chão, com um pedaço grosseiro de pão que passavam um para o outro, enquanto ouviam a narrativa do mais velho.
Quando o dia já havia amanhecido, os passageiros preenchiam os vagões, e o trem tornava a soltar sua fumaça no céu do deserto estéril, o trio de homens movimentava-se energicamente, com mil teorias, os olhos brilhantes, roxos das olheiras de quem não conhecera o sono. O carvão que queimava ali já incandescia em chamas que agora representavam um pouco mais do que o outro dia. A corrente que apitava a locomotiva era naquele momento uma orquestra conduzida por Hugo. E com a cabeça para fora do vagão, olhando para a fumaça que deitava na lateral do vagão, Benedito esperava que um conde emergisse a cavalo no meio das nuvens, oferecendo a ele um mundo maior do que o conhecido.


